Home News Wright fez o retrato terno dos travellers e ciganos “incompreendidos” do Reino...

Wright fez o retrato terno dos travellers e ciganos “incompreendidos” do Reino Unido

17
0


Quando o britânico Sam Wright descobriu, há poucos anos, que a bisavó era um membro da comunidade viajante – comunidade nómada indígena da Irlanda –, sentiu imediatamente vontade de saber mais sobre ela. Conseguiu apurar, junto de um tio, que a sua antepassada foi nómada até se ter casado com um agricultor inglês, altura em que se terá afastado da sua comunidade e “enterrado” para sempre a história da sua origem. Pouco mais se sabe ou diz sobre o tema, no seu seio familiar; o forte preconceito que sempre existiu em torno desta comunidade nómada pode explicar a névoa ou tabu em torno da bisavó.

Ainda existe, nas palavras de Wright, um “preconceito aberto” da parte da sociedade maioritária britânica em relação às comunidades viajante e cigana. “A má representação [destes grupos étnicos] nos órgãos de comunicação social é danosa”, acrescenta.

Face a este cenário, o britânico encontrou um motivo para mergulhar nas vivências destas comunidades e, através da recolha fotográfica e videográfica, “contar a história real” destas pessoas. Assim nasceu o projecto Pilar para postarque será lançado em fotolivro pela Livros favoritos em Novembro, com posfácio do jornalista britânico e viajante Damian LeBasautor do documentário da BBC Uma história muito britânica: ciganos ciganos. “Procurei contrabalançar com um retrato honesto que pudesse desafiar os preconceitos, que mostrasse a sua paixão e resiliência.”

Assim, Sam Wright dedicou dois anos ao contacto regular com viajantes e ciganos em oito feiras do Reino Unido e da Irlanda. A primeira que visitou foi a Feira de Cavalos de Applebyque decorre desde 1775 e reúne, anualmente, em Junho, membros das duas comunidades, em Cumbria, condado do noroeste inglês, próximo da fronteira com a Escócia. Antes da primeira visita, muitos alertaram o fotógrafo para o risco de ser roubado ou agredido no local, o que só reforçou a ideia relativamente ao preconceito de que são alvo os membros das comunidades.

Wright foi recebido calorosamente. A experiência junto das pessoas, das famílias, foi extremamente positiva e memorável. “Fui atraído pelas personalidades incríveis, pelos valores de família profundos e pela ligação tão forte com a tradição”, escreve. Desenvolveu uma relação próxima com inúmeras pessoas, que entrevistou e cujas histórias gravou em filme e fotografia. Seguiram-se as visitas às feiras em Yorkshire, Norfolk, em Inglaterra, e Galway e Cork, na Irlanda, entre outras.

No posfácio do livro, Damian LeBas aponta para a singularidade do ponto de vista do autor dos retratos. “Wright espera sempre pela mirada de quem retrata: ele não se precipita e ‘rouba’ a fotografia”, escreve LeBas. “Nada é simplificado. O grande anel de ouro em foco está no contexto do abraço que é dado por quem o usa; vemos que a criança que conta uma enorme quantidade de dinheiro o faz na companhia e supervisão da família.”

O contexto importa, para LeBas, e é esse, na sua opinião, que tem faltado aos muitos retratos que se fazem de pessoas das comunidades viajante e cigana. Há quem prefira, exemplifica, fotografar “o único saco de lixo que fica para trás num acampamento deixado por uma família descuidada, quando as restantes 49 famílias que lá estavam deixaram o espaço limpo”; ou salientar a etnia dos “dois rapazes que foram apanhados numa rixa depois de as dezenas de amigos [da mesma etnia] terem ido embora [para evitar desacatos]”. “A câmara pode mentir”, alerta.

“E sim”, continua. “Muitas destas fotografias foram tiradas em feiras de cavalos, e há carroças e atrelados e selas e cabelo acabado de cortar e cavalariças e ouro. Pode chamar-se a estas coisas símbolos estereotipados, ou pode chamar-se-lhes características típicas da vida moderna dos ciganos”, discorre. Actualmente, muitos viajantes e ciganos já não vivem em acampamentos, ou em reboquesmas sim em casas; já não vão às feiras, não têm cavalos. “Mas isso não afecta a centralidade destes elementos na nossa cultura, à semelhança do que foram no passado”, ressalva o jornalista. “Todos os viajantes conhecem a sensação de ver fotografias de Appleby no jornal: de certa forma, estamos todos na feira, mesmo quando não estamos lá.”

As 72 imagens do livro Pilar para postar procuram retratar as duas comunidades de forma sincera e terna. Não existem legendas para as fotografias, no livro. Quem as observa não sabe quem é quem, a que etnia pertence, onde vive, onde foi retratado quem figura na imagem. O livro parece querer recordar a todos a lição primária de que pessoas são pessoas, independentemente da sua origem, etnia, credo. “À medida que os desafios se avolumam para as comunidades viajante e cigana, acredito que é tempo de dar-se uma mudança positiva nas atitudes”, conclui Wright. “E eu espero que este projecto seja um contributo nesse sentido.”





Source link